quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Prólogo


Moscou, setembro de 1939.

Aquela decisão iria perseguir-me pelo resto da vida, mesmo com toda a minha experiência o receio não me deixava dormir, a dúvida se fiz o certo me corroia por dentro de uma maneira perturbadora, mas o que está feito está feito. Ele não saberia o que fazer e nem iria se controlar. A noite ajuda a me acalmar, mesmo sabendo que quando ele quiser me achar ele irá. Agora não é tempo de arrependimentos, faltam poucas horas para a reunião, Mikael não pode e nem saberá nada, o passado ficará para trás.
Deitado em um empoeirado sofá vejo a luz da lua, que passa por um enorme buraco no telhado, iluminar todo o hall da velha casa, os acabados móveis espalhados por toda a enorme sala me servem de companhia. Queria muito dormir, o cansaço me toma por inteiro, mas não consigo relaxar. A cada momento que fecho os olhos o vejo mais perto, ele e aquele sorriso irônico, essa imagem me persegue desde o treinamento.
Levanto-me e vou até o quarto de Mikael, que fica no primeiro andar do casarão. Tenho que fazer algo para me ocupar. Subo a escada, o ranger da madeira ecoa por todo o corredor, antes mesmo de chegar até a porta ele sai.
“Algum problema ou não consegue dormir novamente?” pergunta-me.
“A segunda opção, o que também não deixa de ser a primeira” respondo.
“Você não precisa se preocupar comigo, eu sei me cuidar” fala, passando do meu lado.
“Certo, certo...” balanço a cabeça positivamente e recebo alguns tapinhas nas costas.
Mikael passa por mim e vai em direção a sala, vou abrindo as portas dos quartos por curiosidade, para ver se acho algo para passar o tempo. Um velho baú me chama a atenção em um dos quartos, entro, abro e encontro alguns desenhos e roupas velhas, tempo e esperança perdidos. Quando me viro em direção ao corredor, vejo uma sombra em frente a porta, meus músculos travam, não sei o que fazer, não tenho reação. E na mesma velocidade que apareceu vai-se com a voz de Mikael se aproximando.
“Esmond, encontrei algo...” ele me vê ali no canto do quarto paralisado, parecendo um animal acuado e joga o que parece ser um livro em minha direção. “Espero que isso te ajude”. Será que ele leu minha mente e viu que eu estava entediado?
O livro cai e levanta um pouco de poeira do carpete vermelho, respiro fundo e estico meu braço para pegar o achado. Percebo que não é um livro, e sim um diário, limpo a poeira da capa dura, o que mostra alguns desenhos coloridos e abro.
“Este diário pertence à...”
Não consigo entender o nome do dono, mas já vi esse tipo de escritura em algum canto, levo comigo, isso irá me consumir algum tempo, exatamente o que estava procurando. Vou para a sala. O que será que Mikael faz lá embaixo?
Depois do susto meu cansaço cedeu, ainda estava sob efeito da adrenalina, descendo as escadas vejo o céu pelo telhado quebrado. Vai surgindo ao longe a Donus, a estrela-guia, é chegada a hora.
“Que os signos me protejam” falo buscando proteção.
A noite da apresentação. Hoje começa meu trabalho, de agora em diante ele terá outros ao seu redor. Minha missão como Atravessador depende muito do desejo de Mikael, de aceitar ou não o Signo. Não queria que nada desse errado, mas meus instintos me falam o contrário, e eles nunca erram.
“Esmond, acho que já podemos ir” ouço Mikael falando.
“Certo, prepare tudo” falo colocando o diário na minha bolsa de couro, ao lado dos velhos pergaminhos de conjuração.  
Queria saber o que Mikael olha em um pequeno livro que ele carrega, garoto de sorte, ele tem sempre algo para voltar seus pensamentos. E minha curiosidade me toma mais uma vez, mesmo depois de tantos problemas que me trouxe, ainda não consigo controlá-la.
 “Pronto?” pergunto. “O caminho até a reunião é longo, apresse-se, estarei esperando no jardim” falo cruzando toda a sala em direção da saída e vejo-o arrumando uma pequena bolsa.
“Queria poder usar mais meus poderes, pelo menos um quarto melhor eu poderia arranjar. Não precisaria brigar com alguns mendigos por um lugar pra passar a noite” penso.
“Não podemos usar nossos poderes assim, Sr. Casey, nos descobririam facilmente” fala Mikael, vindo logo atrás.
“Já falei pra você ficar longe da minha mente, odeio quando você faz isso!” reclamo, chegando à porta, se podemos chamar aquele amontoado de madeira de porta. Antes de abrir, cubro o espelho que coloquei ao lado, com um velho pano. “Esteja desfeito.”
O frio de Moscou é perturbante. Abro a porta e o vento gélido me acerta em cheio. Saio em direção ao jardim mal cuidado, já não tem vida há muito. Fico atento a cada passo, não posso deixar nada acontecer.
“Você está muito tenso Esmond. Acalme-se” fala Mikael, confiante.
“Ás vezes sua confiança me irrita” resmungo. “Ainda não se acostumou? Enquanto não estiver terminado, não ficarei tranqüilo” falo e sigo o caminho de pedras que existe no meio do jardim até o enferrujado portão.
Dado o primeiro passo fora do terreno do casarão, o Escudo de Vidro, magia conjurada pra nos camuflar, se estilhaça sobre o jardim. A neblina densa se mistura com alguns flocos de neve e escondem os rostos de quem andava pelas ruas apertadas e mal iluminadas. Coloco o capuz e Mikael vem comigo, agora o cuidado aumenta.
Os passos vão nos levando a ruelas irregulares, a mão esquerda na adaga não tira meu nervosismo. O tempo parece não passar, muito menos minha preocupação.
Depois de algumas horas andando pelas ruelas, sinto-os, estamos perto da reunião. Espero que concordem com a escolha, não queria ver Mikael fora de si. Os passos vão ficando cada vez mais impacientes.
De repente, a adaga escorrega pela manga direita do meu sobretudo e antes de qualquer palavra a levo ao pescoço do gatuno.
“Calma Esmond, parece nervoso” com a adaga no pescoço, Marvin nos recepciona saindo das sombras.
“Desde quando você está aí?” pergunto, guardando a adaga.
“Desde que saímos do Escudo. Senti sua magia, melhor escondê-la melhor, se não quiser ser pego” responde Mikael olhando para Marvin.
“Bom garoto, está sabendo usar seus poderes melhor que eu esperava. Sr. Fingel ficará muito satisfeito com seu trabalho Esmond” fala Marvin, com um ar surpreso.
“Sem mais delongas, vamos ao que interessa. Por que a reunião em uma praça, quando se tem vários castelos?“ pergunto esfregando minhas mãos, tentando, em vão, mantê-las aquecidas.
“Calma, Sr. Casey, os outros quiseram assim. Lembre-se que nem todos possuem a Esfera, logo aqui é um lugar neutro. Não se aborreça, a reunião acabará rapidamente, não é mesmo?” fala com um ar cínico, colocando suas mãos totalmente tatuadas no ombro de Mikael, e ele, como resposta balança positivamente a cabeça.
A carregada neblina vai se dissipando aos poucos, nos mostrando uma antiga praça, cinzenta e sem vida, com o chão coberto pela neve. Tem mais pessoas que o esperado, dividida em quatro lados, Marvin se encaminha para um dos lados, nos deixando no centro da reunião.
“Aqui está um dos últimos Receptores, o convite foi aceito, agora só queremos a resposta crucial, qual lado sua lealdade defenderá?” fala Marvin nos apresentando. Muitos que aqui estão prefeririam meu pescoço a lealdade de Mikael.
Todos nos olham com ar de superioridade, o julgam não merecedor do convite. Não sabem o quanto ele pode evoluir, mal sabem que ele agora domina seu Espírito. 
E que a reunião comece.

7 comentários:

  1. Que prólogo hein?

    Simplesmente aprisionante, acho que essa é a palavra.
    A pessoa não consegue desviar os olhos um segundo até que se chega ao final.
    Adoreeeei.
    O cenário ficou muito bem descrito, a definição dos personagens funcionou.. Deu até pra montar um sutil perfil de cada um. Ritmo envolvente e mais.. mistério, suspense.
    Diálogos excaixados perfeitamente, eu ameeeei. Ficaram bem naturais e cada um com o seu jeitinho de ser. Arrasou!
    Mal posso esperar pelos próximos capítulos.
    Estou super curiosa para descobrir a importância de uma Receptor, de se ter um Esfera e talz.
    Parabéééns, continue acreditando em você.

    Beijoss

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  2. Nossa Romeu! sem palavras, meninas vc escreve muito bem a Jú tinha me falado no dia que fui na casa dela mais não me disse nda a respeito do que li hoje. Adorei o suspense, intrigas estão por vir de acordo com o prólogo. vc soube contar os detalhes. Parabéns Romeu.

    Agora esperarei ansiosa pelo primeiro capitulo dessa estória. Acredite em vc, nunca desista daquilo que se sonha. Meus parabéns pelo blog, e pela iniciativa =)

    beijocas =**

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  3. Huummmm.... fiquei curiosa pra saber o que há no velho diário...

    Beijos!

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  4. Agradeço à presença e aos comentários!

    Em breve postarei o Capítulo I...

    Aguardem, muitos mistérios ainda estão por vir!

    ;)

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  5. \o/!! Esperando ansiosamente!! rsrs..
    Grande Abraço!!

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  6. Parabéns Romeu!
    eu quero ler estou curiosa!!!

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